13 de abril de 2016

Sobre o óbvio

"Even if your hands are shaking. And your faith is broken. Even as the eyes are closin'. Do it with a heart wide open"

Eu era nova e acreditava na ideia de que a vida estava nas minhas mãos, que eu podia controlar tudo, e tinha certeza de que o rosto da felicidade era liso, luminoso e sedoso. A cara que eu queria ter, livre de cicatrizes ou marcas. Claro que a ilusão não durou muito. Uma hora a vida vem.

Uma boa hora para perceber isso é arrumando as malas. Fui mexer na minha bolsa para pegar meus documentos. Acabei encontrando, no fundo da bolsa, toda amassada e quase apagada, a 2ª via do cartão do nosso último jantar (perdido há quantos meses?). 

Abri a bolsa para procurar o celular, achei um cupom fiscal de umas roupas que comprei faz uns meses em uma promoção e até esqueci que elas estavam no guarda-roupa. Não sei mais se a calça serve, porque eu jurei que ia emagrecer e o projeto não foi para frente. Não vou arriscar experimentar.

Me deu dor de cabeça. Fui mexer na minha bolsa para procurar um comprimido. Hipocondríaca que sou, achei uma cartela de remédio quase vazia. Cetoprofeno. Quando eu tomei isso? Será que foi quando o joelho travou? Sei lá. Se não ajudar a diminuir a dor de cabeça, talvez ajude para outra dor da vida. Ou piore. 

O celular estava tocando. Fui procurá-lo na minha bolsa, achei um cartão de visitas de uma reunião que fui na semana passada, achei um brinquedo de kinder ovo que ganhei do meu sobrinho no nosso passeio de sábado, um bloco de post-it meio amassado e um bloquinho de anotações com a minha letra de jornalista indecifrável em algumas partes. O celular parou de tocar. Não achei o celular. Não o achei porque ele estava no bolso da calça. 

Fui pegar os documentos na minha bolsa, achei uma entrada de cinema. Tentei lembrar o filme. Lembrei e era horrível, melhor nem ter lembrado, apesar da boa companhia. Nada dos documentos. Ficaram as lembranças.

Era para ser apenas a minha bolsa e meus documentos. Mas era uma máquina do tempo. Era para caber só carteira, chaves, escova, e outras coisinhas mais. Não era para caber tanta bagunça, lembranças, histórias. Mas cabe.

Fui mexer na minha bolsa para pegar o ticket do estacionamento. Achei a conta do celular que estava atrasada, compromissos adiados, culpa, graça e muita, muita pressa. Não achei tudo aquilo que precisava. Mas não parei de me perguntar, em nenhum momento, quanto tempo perdemos? Quanto tempo ainda vamos perder?

E a conversa nem é sobre adiamentos, sobre deixar tudo para depois. Nem sobre projetos grandiosos. É apenas sobre ondas momentâneas de liberdade. Sobre menos regras e mais pegar a bolsa e ir ao cinema sozinha. Sobre pedir desculpas pelo jantar que a gente não terminou (daquela 2ª via do cartão que eu achei). Sobre ligar e dizer que sente falta. Sobre fazer as malas. Sobre cortar o cabelo curtinho. Sobre ter ideia que a vida é curta. E que o tempo não volta. Sobre frio na barriga. Sobre apenas ser. Sobre o óbvio.

Acidente com vítima leve

" Eu vou andando pelo mundo como posso E me refaço em cada passo dado Eu faço o que devo, e acho Não me encaixo em nada Não me encaixo,...